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sábado, 27 de março de 2021

COVID-19 faz um ano no Brasil

Hoje, 25/3/2021, faz um ano que escrevi o postSério,Sr. Bolsonaro...!?” refletindo sobre declarações do nosso presidente a respeito do enfrentamento à COVID-19, que começava a mostrar suas garras por aqui.

Eu falava dos dados oriundos da China sobre o perfil das vítimas, falava das estratégias de ação, das vulnerabilidades da nossa população, das perspectivas de vacinação, da expectativa em relação aos picos da doença, dos reflexos econômicos da pandemia, etc.

Agora, então, já em plena campanha de vacinação, resolvi fazer um pequeno balanço dos fatos e de alguns aprendizados adquiridos nesse período.

Falta de empatia, características comportamentais e genéticas da população, mutações do vírus, capacidade e gestão dos sistemas de saúde, questões políticas ... Tudo isso, me parece, afetou o enfrentamento de uma crise que, obviamente, não é só sanitária, é cultural e econômica também.

Como explicar...

... que após um ano de pandemia estejamos, ainda, enfrentando - aqui e em vários outros países- mais um “pico” da doença, o maior até agora!? Aprendemos, ao longo desse período, a nos proteger de forma eficaz, fomos orientados em massa, quero dizer, a informação chegou a todos. No final de 2020, pensávamos ter passado pelo pior e já tínhamos uma expectativa plausível de início de vacinação no começo de 2021, avistávamos uma “luz no final do túnel” e podíamos, enfim, aplacar um pouco a nossa ansiedade. Pois bem, foi justamente nesse momento que a coisa, por aqui, saiu do controle fazendo transbordar o número de casos graves para além da capacidade da estrutura hospitalar de muitas cidades;

... que a Nigéria, com 200 milhões de habitantes e graves carências estruturais, por exemplo, apresente uma taxa de 78,67 infectados para cada 100.000 habitantes enquanto o Brasil divulga uma taxa de 5.706,65 e o Reino Unido de 6.344? Além disso, os nigerianos ostentam uma taxa de “letalidade” (total de mortes/total de infectados) de 1,25% contra 2,46% do Brasil e 2,93% do Reino Unido (dados coletados em 25/3/21 no site da OMS);

... que a “hidroxicloroquina”, comprovadamente ineficaz contra a COVID-19, tenha sua utilização incentivada pelo nosso presidente, seja produzida pelo Exército Brasileiro e distribuída pelo SUS como medicamento eficaz no tratamento da doença;

... que o Supremo Tribunal Federal tenha enviado, em novembro de 2020, no início da segunda onda do vírus no país, um ofício à Fundação Oswaldo Cruz pedindo a reserva de 7.000 doses da vacina para seus servidores (o pedido foi negado).

Não sei como explicar. Mas, tenho algumas pistas.

No artigo “Quando a favela fala, é melhor ouvir -Risco de caos social não é ameaça, é alerta”, escrito por Celso Athayde, Preto Zé e Edu Lyra e publicado pela Folha de São Paulo no portal UOL no dia 21/3/21, os autores dizem o seguinte:


Lavar as mãos com sabonete e manter distanciamento social não é para quem quer -é para quem pode.
Muitos não podem. Nós -os 11,4 milhões de pretos, pobres e pardos espalhados nas 7.000 favelas do Brasil- somos maiores que uma Suíça [...].
Lotamos ônibus e trens, fazemos faxina, armamos barraquinhas nas estações de metrô, catamos papel e garrafas pet, guardamos carros, estamos em todos os lugares públicos -e ainda assim continuamos invisíveis.
[...]. Mas os favelados continuam insistindo em comer todos os dias, querem se higienizar de acordo com os protocolos, desejam máscaras.


- E se o Exército Brasileiro priorizasse a produção de sabonete, álcool gel e máscaras ao invés de “cloroquina”, ...!?

Queremos uma campanha oficial que explique a importância da vacina para a preservação da vida.
[...]. Segundo pesquisa do Data Favela, em parceria com o Instituto Locomotiva, mais da metade dos moradores das comunidades (53%) teme que a vacina não faça efeito, enquanto quase um terço (31%) tem medo de se infectar com o imunizante e mais de um quinto (22%) acha que a vacina pode alterar o DNA ou instalar um chip no organismo -enfim, todo o infame repertório de fake news.

- O problema não é a falta de informação, acho que é algo mais grave, ligado a questões basais da educação e culturais também. Acredito que o problema esteja na precariedade com que a maior parte das pessoas é ensinada a tratar a informação aqui no Brasil. Ela será uma ferramenta que nos ajudará pouco se não formos treinados para interpretá-la de forma correta, ou seja, sem educação, ela não vale muito, mas essa é outra história...

Os autores dizem ainda:

Queremos critérios de vacinação que levem em conta a condição social. Quem limpa o chão do hospital deveria receber tratamento tão prioritário quantos os médicos. Nas escolas, as merendeiras não estão menos expostas do que os professores.

- Trabalhadores da saúde (inclusive dentistas, fisioterapeutas e educadores físicos), funcionários do sistema carcerário, trabalhadores da educação dos ensinos básico e superior e forças armadas são alguns dos grupos profissionais selecionados como prioritários pelo Ministério da Saúde, além de pessoas com mais de 60 anos abrigadas em instituições de longa permanência, povos indígenas vivendo em terras indígenas, pessoas com mais de 80 anos, moradores de rua, etc. A lista tem 27 grupos enumerados por ordem de prioridade. Penso que o problema não está apenas no critério utilizado “per se”: alguns grupos profissionais, por exemplo, podem ser “alargados” com base em dispositivos legais anteriores ou a partir de interpretações do conceito “interesse público” pela justiça. Além disso, a autonomia dos estados e municípios -num cenário como o nosso, onde o Poder Executivo Federal mostra frouxidão na condução do combate à pandemia- acaba gerando ações conflitantes e dando margem às pressões políticas locais nem sempre legítimas.


Não creio que esta situação de caos social se altere significativamente antes que a grande maioria da população esteja vacinada. Além disso, variantes do vírus estão surgindo e não temos a certeza de que os nossos imunizantes darão "conta do recado". O assunto é longo, renderia, ao menos, mais dois posts, mas fica já o aprendizado de que o vírus não está testando apenas as nossas vulnerabilidades físicas, mas também nossas capacidades como povo.