Certos olhares, cenas que guardamos para sempre na memória, as fotos não conseguem capturar, ainda que "valham por mil palavras". Mesmo assim, pretendo descrever cinco “olhares sobre Lisboa” - não os mais originais, mas, com certeza, inesquecíveis.
Castelo de São Jorge e Mouraria |
Na praça do Rossio (Praça D. Pedro IV), chegando pela Avenida Liberdade, “de cara” somos surpreendidos por uma paisagem inusitada: no alto e ao fundo, o magnífico Castelo de São Jorge causa enorme impacto - seja pelo contraste arquitetônico com o entorno, seja pelo seu caráter à primeira vista improvável. Seguindo na direção da Praça da Figueira, praticamente contígua, o olhar é arrastado novamente para baixo, para uma área ampla de formato retangular pavimentada por um bonito mosaico de calcário preto e branco em forma de ondas (semelhante ao calçadão de Copacabana) e ornamentada, nas extremidades norte e sul, por duas lindas fontes barrocas e, no centro, por uma imponente coluna de mármore que sustenta a estátua de D. Pedro IV, que dá nome à praça. Ao redor, o tom cinza dos prédios em estilo pombalino pontilhado aqui e ali por coloridos discretos completa a cena.
O que mais impressiona aqui é a ideia de que se pode percorrer séculos de história num simples movimento do olhar: da ocupação árabe no século XI aos autos-de fé durante a Inquisição e à reconstrução da cidade após o terremoto de 1755.
Praça do Rossio |
Da extremidade norte da praça, próximo ao Teatro Nacional, olha-se para sudoeste e, entre os edifícios, a 45 m de altura, vê-se o topo do Elevador de Santa Justa. Lá de cima, outra cena inesquecível: numa varredura de mais ou menos 180º da esquerda para a direita o olhar nos leva da Baixa até o Tejo passando pelo Rossio com a Mouraria e o Castelo bem à frente - um panorama quase completo de Lisboa.
Miradouro de Santa Luzia |
Igualmente imperdível é apreciar, do Miradouro de Santa Luzia, o bairro de Alfama e o estuário do Tejo. Lá de cima, as cores predominantemente claras das construções ao redor, puxando ao branco, mescladas ao tom avermelhado dos telhados e postas contra um fundo azul em dois tons - céu e Tejo - compõe uma das paisagens mais ensolaradas que já vi.
Mouraria |
Não posso deixar de falar, ainda que brevemente, das pitorescas ruas, ruelas e ladeiras da cidade e sobre quão divertido é passear por elas: uma boa dica é pegar o elétrico linha 28 na praça Martin Moniz, subir pela Mouraria até próximo ao Castelo e depois descer a pé pelo bairro de Alfama - passando pela Feira da Ladra (terças e sábados)- até a orla do Tejo. O percurso com o elétrico nas subidas estreitas parece impossível, como se o “bonde” não fosse aguentar o tranco e corresse o risco de ficar entalado no meio da ladeira... Aí, ele para, dá um solavanco e se vai lentamente rente ao meio fio – podemos tocar nas pessoas que estão na calçada se estendermos os braços para fora.
Estuário do Tejo |
O último “olhar sobre Lisboa”, antes de qualquer outra coisa, inspirou-me um sentimento: a paisagem que vi do alto do Padrão dos Descobrimentos me fez sentir uma certa reverência pelo rio. Olhando para o seu estuário, impressionado com a imponência, pensei na sua história, no seu encontro com o oceano, na nossa história... Afinal, o Tejo nos faz pensar como no poema de Fernando Pessoa:
“... O Tejo tem grandes navios/ E navega nele ainda,/ Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,/ A memória das naus.../ Pelo Tejo vai-se para o Mundo./ Para além do Tejo há a América/ E a fortuna daqueles que a encontram./ Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia/ O rio da minha aldeia não faz pensar em nada...”