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quarta-feira, 14 de abril de 2021

Relatos de Viagem III. Cinco Olhares sobre Lisboa

Certos olhares, cenas que guardamos para sempre na memória, as fotos não conseguem capturar, ainda que "valham por mil palavras". Mesmo assim, pretendo descrever cinco “olhares sobre Lisboa” - não os mais originais, mas, com certeza, inesquecíveis.
Castelo de São Jorge e Mouraria
Na praça do Rossio (Praça D. Pedro IV), chegando pela Avenida Liberdade, “de cara” somos surpreendidos por uma paisagem inusitada: no alto e ao fundo, o magnífico Castelo de São Jorge causa enorme impacto - seja pelo contraste arquitetônico com o entorno, seja pelo seu caráter à primeira vista improvável. Seguindo na direção da Praça da Figueira, praticamente contígua, o olhar é arrastado novamente para baixo, para uma área ampla de formato retangular pavimentada por um bonito mosaico de calcário preto e branco em forma de ondas (semelhante ao calçadão de Copacabana) e ornamentada, nas extremidades norte e sul, por duas lindas fontes barrocas e, no centro, por uma imponente coluna de mármore que sustenta a estátua de D. Pedro IV, que dá nome à praça. Ao redor, o tom cinza dos prédios em estilo pombalino pontilhado aqui e ali por coloridos discretos completa a cena. 
O que mais impressiona aqui é a ideia de que se pode percorrer séculos de história num simples movimento do olhar: da ocupação árabe no século XI aos autos-de fé durante a Inquisição e à reconstrução da cidade após o terremoto de 1755.

Praça do Rossio
Da extremidade norte da praça, próximo ao Teatro Nacional, olha-se para sudoeste e, entre os edifícios, a 45 m de altura, vê-se o topo do Elevador de Santa Justa. Lá de cima, outra cena inesquecível: numa varredura de mais ou menos 180º da esquerda para a direita o olhar nos leva da Baixa até o Tejo  passando pelo Rossio com a Mouraria e o Castelo bem à frente - um panorama quase completo de Lisboa.

Miradouro de Santa Luzia
Igualmente imperdível é apreciar, do Miradouro de Santa Luzia, o bairro de Alfama e o estuário do Tejo. Lá de cima, as cores predominantemente claras das construções ao redor, puxando ao branco, mescladas ao tom avermelhado dos telhados e postas contra um fundo azul em dois tons - céu e Tejo - compõe uma das paisagens mais ensolaradas que já vi.

Mouraria
Não posso deixar de falar, ainda que brevemente, das pitorescas  ruas, ruelas e ladeiras da cidade e sobre quão divertido é passear por elas: uma boa dica é pegar o elétrico linha 28 na praça Martin Moniz, subir pela Mouraria até próximo ao Castelo e depois descer a pé pelo bairro de Alfama - passando pela Feira da Ladra (terças e sábados)- até a orla do Tejo. O percurso com o elétrico  nas subidas estreitas parece impossível, como se o “bonde” não fosse aguentar o tranco e corresse o risco de ficar entalado no meio da ladeira... Aí, ele para, dá um solavanco e se vai lentamente rente ao meio fio – podemos tocar nas pessoas que estão na calçada se estendermos os braços para fora.

Estuário do Tejo
O último “olhar sobre Lisboa”, antes de qualquer outra coisa, inspirou-me um sentimento: a paisagem que vi do alto do Padrão dos Descobrimentos me fez sentir uma certa reverência pelo rio. Olhando para o seu estuário, impressionado com a imponência, pensei na sua história, no seu encontro com o oceano, na nossa história... Afinal, o Tejo nos faz pensar como no poema de Fernando Pessoa:
“... O Tejo tem grandes navios/ E navega nele ainda,/ Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,/ A memória das naus.../ Pelo Tejo vai-se para o Mundo./ Para além do Tejo há a América/ E a fortuna daqueles que a encontram./ Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia/ O rio da minha aldeia não faz pensar em nada...”

Lisboa, carnaval de 2010.