A poesia desperta em nós o sentimento de beleza, graça, nostalgia
e, até, comoção. Pode, também, provocar um insight -aquela compreensão
repentina, clara e profunda de algo escondido em alguma abstração-, ou seja, funciona como um oráculo que nos oferece respostas para perguntas que ainda não
fizemos.
A poesia pode estar nas palavras pichadas em um muro, nos
traços de um rosto observado na rua por acaso, numa simples notícia de
jornal ou no rótulo de um bom vinho. Muitas são as vezes em que ela nos encontra de forma inusitada, nos pega
de surpresa.
Certa vez, um poema de Jorge Luis Borges (sob o
pseudônimo de Julio Platero Haedo) chegou até mim através de um “convite para
missa de sétimo dia”. Conforme o convite, o poema havia sido assinalado pelo
homenageado ao ler uma coletânea de obras do autor argentino.
Limites
Hay una línea de Verlaine que no volveré a recordar,
Hay una calle próxima que está vedada a mis pasos,
Hay un espejo que me ha visto por última vez,
Hay una puerta que he cerrado hasta el fin del
mundo.
Entre los libros de mi biblioteca (estoy viéndolos)
Hay alguno que ya nunca abriré.
Este verano cumpliré cincuenta años:
La muerte me desgasta, incesante.
De “Inscripciones” (Montevideo - 1923), de Julio Platero Haedo.
Talvez, apenas naquele contexto improvável me fosse possível compreender tão intensamente, quanto foi, a experiência relatada pelos versos de Borges.
Em outra ocasião, me deparei com a notícia de uma tragédia medonha que assombrou o mundo no dia vinte e sete de janeiro de 2013. Mais de 200 pessoas morreram no incêndio de uma
boate na cidade de Santa Maria, no sul do Brasil. Por ser um polo universitário
da região, a cidade concentra um número muito grande de jovens e adolescentes
que vivem ali, longe de suas famílias.
104 chamadas não
atendidas[...] Na tentativa de auxiliar na
identificação dos mortos, integrantes do Grupo de Gerenciamento da Crise
colocavam documentos de identificação - como identidade e carteira de
habilitação - e celulares no peito das vítimas. Um bombeiro apanhou um daqueles
telefones que tremiam no chão. O aparelho registrava 104 chamadas. Na tela:
MÃE.
Trecho da reportagem publicada
por Zero Hora no dia 28/01/13 sobre a tragédia na boate Kiss em Santa Maria, RS .
A
frase “Um bombeiro apanhou um daqueles telefones que
tremiam no chão. O aparelho registrava 104 chamadas. Na tela: MÃE.” ainda hoje consegue,
com dezoito palavras e quatro sinais de pontuação, me fazer contemplar um
oceano de aflição e desespero.
Às vezes, ocorre uma espécie de empatia entre as nossas vivências e o objeto da nossa observação. As abstrações que nascem desta relação, eu chamo de poesia.