É difícil para mim definir o estranho
quando não posso enquadrá-lo no grotesco, excessivo ou destoante, mas era
exatamente isto que eu sentia quando olhava para aquelas duas meninas,
estranheza. Não sei dizer porquê, estava ligado ao fato de serem gêmeas
idênticas sem dúvida, mas era algo que só ocorria naquele caso; conheço vários
outros, nunca me causaram tal impressão. Observava-as quase sempre da minha
janela quando apareciam na varanda do sobrado em frente, mas tomava o cuidado
de fazê-lo escondido atrás das cortinas. Até hoje, não consigo pensar nelas
individualmente: há algo de indissociável e, ao mesmo tempo, complementar; parece
que nasceram para serem uma só. Moram lá com os pais, eu suponho, mas raramente
as vejo na companhia deles.
Realmente, são figurinhas
intrigantes: onze ou doze anos no máximo, um metro e cinquenta aproximadamente,
cabelos negros à Chanel e roupas muito sóbrias, geralmente vestidos de uma só
cor com algum detalhe sem graça. Usam sempre golas fechadas e altas, que
emolduram os seus alvos pescocinhos, tudo num estilo muito démodé. A ausência
de cores mais alegres, algo incomum em crianças, dá um ar de recato quase cruel
quando imposto a meninas tão jovens.
Não há nada que as diferencie
claramente, exceto, talvez, um detalhe bem sutil: os olhos negros, tristes e
marejados, bonitos até, desenham expressões levemente diferentes em seus
rostinhos, diferentes, mas que de alguma forma parecem combinar.
A questão virou um problema quando
deixou de ser uma simples curiosidade e virou uma grande obsessão: eu não
conseguia mais dormir à noite, tinha pesadelos e acordava ansioso no meio
madrugada indo automaticamente até a janela espiar o sobrado. Durante o dia eu
me acalmava e conseguia, gradativamente, voltar a pensar de forma mais
ponderada sobre todas aquelas impressões e circunstâncias e sobre o impacto que
tiveram no meu comportamento.
Racionalmente, eu não poderia apontar
nada de errado naquelas crianças, exceto uma nítida excentricidade na aparência
e no modo de agir, mas talvez eu próprio fosse tido como excêntrico, o
esquisitão do bairro.
Enfim, como eu já disse, o assunto
virou uma obsessão e eu precisava fazer algo a respeito. Necessitava de
informações sobre a família e as meninas; estavam a pouco tempo no bairro, mas
algum vizinho, com certeza, me diria algo que, por pouco que fosse, pudesse ser
um ponto de partida, pensei.
Depois de alguns interrogatórios
inconclusivos, resolvi que deveria olha-las mais de perto. Num belo dia, saí
cedo e instalei-me num banco da praça que fica a uma quadra daqui. O local que
escolhi me permitia notar discretamente qualquer movimentação em frente à casa
das meninas. Teria uma visão melhor ali do que na minha janela -com a vantagem
de não precisar me esconder. Por sorte, mal havia me instalado, um carro com as
duas criaturinhas passou a uns cinquenta metros de mim em direção ao sobrado. A
presença delas no veículo era inconfundível: sentadas muito próximas no banco
traseiro, no lado oposto ao do motorista, pareciam coladas uma à outra,
imóveis. Apressei-me, atravessei a rua e caminhei rapidamente pela calçada;
queria passar em frente à residência no exato momento em que descessem do
carro. Faltando uns dez metros, diminui o passo e fingi passear distraidamente.
Contando com o disfarce proporcionado pelas pessoas que passavam por mim
naquele momento em sentido contrário, consegui observá-las atentamente sem que
eu próprio chamasse muito a atenção.
Naquele instante, os dois semblantes ―assim
tão perto um do outro e voltados para a minha direção― compunham
um conjunto quase indissociável, como, aliás, eu havia já percebido em outras
ocasiões. Enquanto uma me olhava de forma severa, quase ameaçadora, a outra me
contemplava com um olhar mais suave, irônico até. Senti um arrepio forte
subindo pelas minhas costas até a nuca, e compreendi imediatamente a origem
daquela estranheza que eu sentia: aqueles olhares cúmplices tinham, juntos,
algo que tangenciava o sombrio, achava eu na época.
Certa noite, resolvi ficar matutando
sobre o assunto até que o cansaço me abatesse, queria dormir ali mesmo, no sofá;
talvez a mudança de ambiente favorecesse o meu sono. Enquanto estava remoendo
estes pensamentos, subitamente, ouvi um grito muito estridente, parecia de uma
criança, um bebê ou talvez fosse de um animal agoniado, não sei... Olhei pela
janela e percebi que a casa das gêmeas estava toda às escuras, sinistra. Um
sentimento de urgência me assaltou: era a hora de descobrir o que se passava
naquela casa, o que aquelas duas criaturas tramavam ali dentro. Eu nem sabia
exatamente o que iria procurar lá, mas fui no impulso, era quase uma obrigação.
Apaguei as luzes também e saí pelos
fundos furtivamente. Fui me esgueirando até o jardim pela cerca viva ao lado da
minha casa. Ali, fiquei de cócoras atrás de um arbusto, precisava tomar folego
por alguns instantes, o coração estava acelerado demais. Pensei, e se eu for
pego ou visto bisbilhotando naquela casa!? Precisarei de um álibi. Porém, a
sensação de perigo e transgressão não me deixava pensar em nada e, quando um
gato preto cruzou a minha frente em câmera lenta, sai correndo, atravessei a
rua e cheguei a pensar em me deter na frente do sobrado, mas algo parece ter me
empurrado: atravessei o jardim do sobrado e acabei encima da varanda, como que
num só embalo. Eu tremia muito, queria desistir de tudo, mas as pernas não
deixavam, estavam frouxas demais e os pés pareciam grudados no chão. O que eu
vou descrever a seguir são as últimas lembranças que tenho daquela noite
ridícula.
Como eu disse, estava na varanda do
sobrado, histérico, como eu também já disse, e bem em frente a uma grande
janela aberta com as cortinas arredadas para o lado: só havia penumbra no
interior, e era graças à pouca luz que vinha de fora. Com um resto de coragem,
fixei o olhar num longo corredor que se iniciava no aposento do outro lado da
janela, bem no meio da parede do fundo: parecia um túnel. Resistia o mais que
podia tentando perscrutar algo, mas não aguentava mais aquela sensação de
iminência e, quando já estava prestes a desviar o olhar, eis que algo surge no
final do corredor. Quando aquilo se materializou lá no fundo e começou a
avançar rapidamente na minha direção, dei um salto, como se uma mola comprimida
entre mim e a parede externa da casa, repentinamente, me joga-se para trás.
Durante aquele movimento, lembro que olhei rapidamente para o lado e vi uma das
meninas -a de olhar ameaçador- tentando me agarrar, dei mais um passo para
trás, tropecei nos degraus da varanda e caí de costas no jardim. Ainda lembro
que, enquanto caía, gritava um álibi inventado naquele instante por puro
reflexo: “o meu gato...”.
Acordei alguns dias depois deitado em
uma cama e com uma dor muito forte no peito, como se o tivessem aberto e
fechado depois. Mesmo com as pálpebras cerradas, percebia uma claridade muito
forte e fui abrindo os olhos lentamente ao mesmo tempo em que tentava levar a
mão ao rosto. Foi aí que, assustado, percebi que estava amarrado pelos dois
braços e que do direito saia uma espécie de tubo. Arregalei os olhos e olhei
bruscamente para frente: vi as duas pequenas de branco aos meus pés, segurando
um gato preto. Dei um salto na cama, o gato soltou um miado estridente e pulou
para cima de mim, acho que fiquei paralisado por alguns segundos. No mesmo
instante, outras duas pessoas de branco entraram no quarto ...
Mais calmo, fui informado depois
sobre três costelas quebradas e um dia inconsciente. Graças às pequeninas, que
me visitavam naquele momento com o seu gato, pude ser socorrido rapidamente na
noite em que caí da varanda.