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segunda-feira, 23 de junho de 2025

A Maior Aventura de Todos os Tempos, o livro. Resenha

A Incrível Viagem de Shackleton (Alfred Lansing, Sextante, 2004).Trata da Expedição Imperial Transantártica que, em 5 de dezembro de 1914 partindo da Geórgia do Sul a bordo do Endurance, pretendia ser a primeira a fazer, por terra, a travessia da Antártida passando pelo Polo.

Idealizada e chefiada por Sir Ernest Shackleton, a expedição que contava com 28 membros fracassou no mar de Weddell junto ao continente antártico e transformou-se, dali em diante, na "Maior Aventura de Todos os Tempos".

O Endurance, muito próximo do ponto de desembarque previsto, ficou preso a um banco de gelo que, além de afastar-se lentamente da costa na direção noroeste, ora se comprimia, ora se fragmentava, impedindo o desembarque seguro no continente. Apesar dos esforços, a tripulação sabia que, se as condições de ventos e correntes não mudassem, o navio não se libertaria. Muito pior: não resistiria à pressão daquelas toneladas de gelo. A cada dia, as chances de naufrágio aumentavam e o navio começava a lembrar um ser moribundo:

[...] o que mais deixava os homens angustiados eram os momentos em que o navio lhes lembrava uma imensa criatura que estivesse sendo sufocada, esforçando-se por respirar, os flancos arquejando sob o efeito da pressão que a estrangulava [...] lembrando um animal gigantesco nos estertores da morte. (Parte I, p.18).

Após nove meses de deriva, em 27 de outubro de 1915, Shackleton deu a ordem que todos já esperavam: era hora de abandonar o barco, finalmente. Estavam numa das regiões mais inóspitas do planeta, sujeitos a ventos com mais de 120 km/h e temperaturas abaixo dos -20ºC, mas o Endurance estava carregado com uma grande quantidade de suprimentos e equipamentos, inclusive trenós e juntas de cães para tração (69 cães ao todo), barracas e três barcos salva-vidas.

Além disso, a quantidade de focas e pinguins que se aproximavam do acampamento garantiriam um suprimento razoável de carne e gordura (a gordura da foca é inflamável, serviria para aquecimento e iluminação). A ideia inicial era seguirem pela banquisa na direção da ilha Paullet, mas as condições bastante irregulares da superfície exigiriam um esforço muito grande no deslocamento. Shackleton, então, decidiu que deveriam permanecer acampados e esperar que a deriva da banquisa os aproximasse de terra firme, mas as condições de sobrevivência no gelo também eram terríveis: umidade constante, tempestades e ventos cortantes, surgimento repentino de fendas na superfície, ameaças de orcas e leopardos-marinhos, e o temor da fome, claro.

Ficamos todos com muita saudade de casa hoje à noite [escreveu James dia 8 de fevereiro] com o cheiro de um galho que achamos hoje e queimamos no fogo. Qualquer cheiro novo, ou um cheiro que nos traga velhas associações, é irresistível para nós. (Parte III, p.150).

O banco de gelo, que agora rumava para alto mar em direção incerta, começava a fragmentar-se e já apresentava alguns trechos de mar aberto. Os homens haviam chegado ao seu limite: enfrentaram a escuridão do inverno polar, dormiam com o medo de que o gelo se partisse sob as suas barracas e foram obrigados a desfazerem-se de alguns pudores:

Macklin esfolou e estripou as carcaças [...]. Crean cortou pequenos nacos de seu cão "Nelson" e Macklin fez o mesmo com "Grus". [...] Crean distribuiu-a entre os homens. Foi primeiro até a barraca de Shackleton [...] Trouxe um pedaço de "Nelson" para o senhor provar, disse com ar travesso. (Parte III, p.170).

Precisavam agir, "tomar o leme", porem-se a caminho de terra firme, qualquer terra firme. Em 9 de abril de 1916, Shackleton ordenou: "lancem os barcos". Os 28 tripulantes do Endurace abandonaram o banco de gelo em três pequenos barcos salva-vidas (além dos remos, tinham mastros e velas adaptados): o James Caird o Stancomb Wills e o Dudley Docker (assim batizados em homenagem aos três principais financiadores da expedição). Estavam a caminho! Entre as opções possíveis, os ventos e as correntes escolheram a pior: a inóspita ilha Elephant onde nenhum ser humano jamais havia pisado.

Era um porto precário, com 30 metros de largura e 15 de profundidade. Uma pequena praia numa costa selvagem, exposta à fúria do oceano subantártico. Mas não importava -estavam em terra firme. Pela primeira vez, em 497 dias, estavam em terra firme. Terra sólida, inafundável, irremovível, abençoada. (Parte IV, p.223).

Foram, mais ou menos, 7 dias de viagem até a ilha Elephant, uma jornada sob condições ainda piores que as experimentadas até então: iam amontoados e praticamente imobilizados dentro dos barcos.

O melhor que podiam esperar era que a dor nos pés continuasse, porque se a dor parasse, por mais que o desejassem, isso significaria que os pés estavam ficando congelados. Depois de algum tempo, eles precisavam de uma concentração extrema para continuar a mexer os dedos dos pés -seria tão fácil parar! (Parte IV, p.208).

Em 24 de abril, apenas uma semana após o desembarque na ilha Elephant, Shackleton e mais cinco homens tentariam chegar à Geórgia do Sul a bordo do Caird. O barco fora carregado com a maior quantidade de suprimentos possível e levava também um indispensável fogareiro "a gordura de foca"; McNeish, o carpinteiro, reforçou o leme e colocou uma cobertura sobre o barco, tentando adaptá-lo às condições do mar que iriam enfrentar. Afinal, seria uma jornada de mais de 800 km através da inconcebível passagem de Drake.

Aqui, a natureza encontrou um campo de provas no qual pode demonstrar à vontade a que ponto é capaz de chegar se deixada por sua própria conta. Os resultados são impressionantes.” (Parte VI, p.280).

Parecia impossível num barco tão pequeno (6,7 m). Mas não foi! Às 17 horas do dia 10 de maio de 1916 os seis pisaram em segurança numa praia remota da ilha de onde o Endurance havia zarpado há quase um ano e meio. O intrépido Caird estava seriamente avariado e a jornada até a estação baleeira Stromness, onde pretendiam obter socorro, precisaria ser feita a pé, atravessando uma região não mapeada. Na madrugada do dia 19, Shackleton, Worsley e Crean partiram na direção leste, equipados com 15 metros de corda, uma enxó de carpinteiro, o fogareiro e alguns suprimentos, deixando Mcneish, Vincent e McCarthy acampados na praia da baía Rei Haakon onde haviam aportado dois dia antes.

Milagrosamente, no dia 22, Shackleton já havia conseguido reunir todos, Worsley, Crean, Mcneish, Vincent e McCarthy (mais o Caird), na estação baleeira, onde desfrutaram merecidamente de todos os confortos que ela podia oferecer. À noite uma calorosa recepção foi oferecida ao grupo.

Quatro veteranos comandantes noruegueses, de cabelos brancos, se adiantaram. Seu porta voz, falando norueguês, traduzido por SØrlle, disse que navegavam pelo Atlântico havia 40 anos e que queriam apertar as mãos dos homens que conseguiram trazer um barco de 22 pés da ilha Elephant até a Geórgia do Sul, através da passagem de Drake. (Epílogo, p.338).

Ainda no dia 22 de maio, Shackleton começou a sua luta para resgatar os 22 remanescentes da ilha Elephant. Após inúmeros reveses e contratempos, a bordo de um velho rebocador oceânico, o Yelcho, cedido pelo governo chileno, Shackleton, finalmente, resgatou todo o seu grupo. Era o dia 30 de agosto de 1916, 14:10 horas. Todos vivos e passando bem!

Nem mesmo o ficcionista mais criativo e cruel imaginaria tanta desventura numa única obra. Nesta resenha, talvez eu não tenha conseguido retratar a magnitude dos desafios e provações enfrentados, acho que é preciso ler o livro inteiro para se ter uma ideia mais realista.

A sobrevivência dos 28 tripulantes do Endurance (toda a tripulação) talvez tenha sido apenas mais um capricho da natureza em meio a tantos que experimentaram. Sorte!? Afinal, "a sorte favorece os audazes". Talvez, a mão de Deus ...!?

Seja como for, outros fatores também foram decisivos: a expedição contava com marinheiros experientes, alguns já haviam enfrentado situações semelhantes; contavam com um navegador excepcional, o comandante Frank Worsley; dois médicos e um carpinteiro muito habilidoso que preparou o Caird para enfrentar a passagem de Drake. Além disso, os suprimentos foram reforçados pela boa quantidade de caça encontrada e a gordura de foca mostrou-se um bom combustível, apropriado às circunstâncias. Por fim, o temperamento da tripulação, propenso a esse tipo de aventura, e a liderança proativa e perspicaz de Schackleton completam a lista.