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Bacias Hidrográficas do Rio Grande do Sul (em azul, a Bacia da Lagoa dos Patos; em preto, a Bacia do Rio Uruguai) / Distribuição dos Municípios Mais Afetados no Estado. |
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Tragédias ambientais como as que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024 são cíclicas embora já se admita a influência das "mudanças climáticas" na periodicidade destes eventos. De 1839 para cá, contam-se umas dez, pelo menos, com destaque para as de 1873, 1941 (esta, mais concentrada na capital) e setembro/novembro de 2023 . A de 2024 foi a pior de todas, principalmente pela sua abrangência, mas também pela concentração de grandes volumes de chuva num período curto de tempo.
UOL: “Em dez dias, o Rio Grande do Sul registrou o equivalente a três meses de chuva. Ao todo, foram 420 milímetros de precipitação entre os dias 24 de abril a 4 de maio, de acordo com o governo do Estado”
Para se ter uma ideia com base nos últimos 30 anos, as médias históricas para os meses de abril e maio em Porto Alegre são, respectivamente, 108 mm e 111 mm. Apenas em maio deste ano, a capital gaúcha recebeu mais de 539,69 mm de chuva.
METSUL: [Em Porto Alegre] “... os meses mais chuvosos de série inteira são maio de 2024 (parcial) com 539,69 mm; setembro de 2023 com 447,3 mm; maio de 1941 com 405,5 mm; junho de 1944 com 403,6 mm; abril de 1941 com 386,6 mm; e junho de 1982 com 365,6 mm”.
O Lago Guaíba em Porto Alegre recebe as águas de quatro afluentes, são os rios Jacuí, dos Sinos, Caí e Gravataí. Somente o Rio Jacuí, encorpado pelos rios Pardo, Taquari e Vacacaí, é responsável por 85% do volume despejado no lago. Além de inundarem os respectivos vales no interior do estado (no caso dos rios Pardo, Taquari, Caí e Paranhana) e várias cidades da região metropolitana de Porto Alegre (rios Jacuí, dos Sinos e Gravataí), os afluentes do Guaíba contribuíram também para o alagamento de boa parte da capital gaúcha nas regiões das ilhas, central e norte. E não era para menos: o Guaíba atingiu a cota de 5,35 metros acima do nível do mar nesta última enchente, marca bem superior às de 3,5 m de 1873 e 4,75 m de 1941.
Em Porto Alegre e arredores, há que se considerar também a existência de 27 sub bacias hidrográficas cujos arroios principais desaguam no Lago Guaíba (21), no Rio Gravataí (4) e no Delta do Jacuí (1). Desses, apenas o Arroio Areia na zona norte da capital recebeu estruturas de macrodrenagem. O Arroio Feijó, que inundou bairros do município de Alvorada, por exemplo, espera por obras de macrodrenagem a mais de uma década. Os recursos para as obras nesse arroio foram inclusive abarcados pelo PAC de 2012, mas o Governo do Estado nunca tirou o projeto do papel.
Na região metropolitana, incluindo o bairro Sarandi na zona norte de Porto Alegre, as cidades de Cachoeirinha, Gravataí e Alvorada foram mais atingidas pelo Rio Gravataí, enquanto em São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Esteio, o maior impacto foi causado pelo Rio dos Sinos. Em Eldorado do Sul, município com aproximadamente 40.000 habitantes, o conjunto Jacuí/Guaíba alagou mais de 80% da cidade. O município de Canoas, com mais de 180.000 habitantes, um dos mais afetados no estado (juntamente com Eldorado do Sul e São Leopoldo), foi atingido pelos rios Jacuí, Sinos e Gravataí simultaneamente e teve em torno de 50% do seu território alagado. Apenas em Canoas, tivemos 31 óbitos. No total da região metropolitana, foram 48.
Nos vales banhados pelo rio Taquari, as cidades de Roca Sales e Cruzeiro do Sul lamentaram 27 mortes. O município de Muçum, com mais de 4.600 habitantes, teve de 66% da área devastada. Já a região serrana do estado, se sofreu menos com os alagamentos, foi mais devastada pelos deslizamentos de terra, que bloquearam estradas, desabrigaram famílias e fizeram 41 vítimas fatais.
Das três principais bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul, a mais sobrecarregada pelas chuvas de abril/maio foi a da Lagoa dos Patos (em roxo/azul na figura acima). A lagoa, que recebe as águas do Guaíba, do Rio Camaquã e do Canal de São Gonçalo (que faz a ligação entre a Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim), é responsável por escoar todo este volume para Oceano Atlântico através do Canal da Barra do Rio Grande. A vazão medida no canal no dia 10 de maio de 2024 chegou a 20 mil metros cúbicos por segundo, aproximadamente oito vezes mais do que nos períodos normais de cheia da lagoa (Zero Hora, 23/5/24). A direção dos ventos e o movimento das marés regulam este escoamento.
Durante as enchentes, a maré cheia e o vento sul represavam periodicamente as águas da lagoa e provocavam alagamentos em cidades como Pelotas e São José do Norte no extremo sul do estado. Além deste represamento, a região contou também com um considerável incremento nas chuvas. Estes problemas de escoamento na Lagoa dos Patos acabaram também por retardar o recuo das águas no Guaíba.
Na figura acima, podemos observar que a maior parte das cidades atingidas se concentra na região central do estado, mas vai se espalhando também para leste e oeste. Os casos mais esparsos ocorreram no sul e principalmente no norte do estado. No oeste, os municípios Cacequi, Alegrete, Uruguaiana e Quaraí foram afetados por rios que compõe a bacia do Rio Uruguai (em preto na figura acima). São os rios Ibicuí, Ibirapuitã (afluente do Ibicuí), Uruguai e Quaraí. Todavia, é a região abrangida pela bacia da Lagoa dos Patos que concentra a maior parte dos municípios atingidos pelas cheias.
No boletim da Defesa Civil/RS atualizado em 08/07/24 consta que 2.398.255 pessoas distribuídas em 478 municípios foram afetadas. Até esta data, foram registrados 182 óbitos e 31 pessoas desaparecidas. Há um mês apenas (9 de junho), a Defesa Civil anotava ainda 18.854 pessoas vivendo em abrigos -no auge das cheias foram mais de 70.000.