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segunda-feira, 8 de julho de 2024

As Enchentes do Rio Grande do Sul. Um resumo dos fatos

Bacias Hidrográficas do Rio Grande do Sul (em azul, a Bacia da Lagoa dos Patos; em preto, a Bacia do Rio Uruguai) / Distribuição dos Municípios Mais Afetados no Estado.

Nota: as palavras ou expressões em itálico sinalizam "links" para as fontes consultadas pelo autor.

Tragédias ambientais como as que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024 são cíclicas embora já se admita a influência das "mudanças climáticas" na periodicidade destes eventos. De 1839 para cá, contam-se umas dez, pelo menos, com destaque para as de 1873, 1941 (esta, mais concentrada na capital) e setembro/novembro de 2023 . A de 2024 foi a pior de todas, principalmente pela sua  abrangência, mas também pela concentração de grandes volumes de chuva num período curto de tempo.

UOL: “Em dez dias, o Rio Grande do Sul registrou o equivalente a três meses de chuva. Ao todo, foram 420 milímetros de precipitação entre os dias 24 de abril a 4 de maio, de acordo com o governo do Estado” 

Para se ter uma ideia com base nos últimos 30 anos, as médias históricas para os meses de abril e maio em Porto Alegre são, respectivamente, 108 mm e 111 mm. Apenas em maio deste ano, a capital gaúcha recebeu mais de 539,69 mm de chuva.

METSUL: [Em Porto Alegre] “... os meses mais chuvosos de série inteira são maio de 2024 (parcial) com 539,69 mm; setembro de 2023 com 447,3 mm; maio de 1941 com 405,5 mm; junho de 1944 com 403,6 mm; abril de 1941 com 386,6 mm; e junho de 1982 com 365,6 mm”.

O Lago Guaíba em Porto Alegre recebe as águas de quatro afluentes, são os rios Jacuí, dos Sinos, Caí e Gravataí. Somente o Rio Jacuí, encorpado pelos rios Pardo, Taquari e Vacacaí, é responsável por 85% do volume despejado no lago. Além de inundarem os respectivos vales no interior do estado (no caso dos rios Pardo, Taquari, Caí e Paranhana) e várias cidades da região metropolitana de Porto Alegre (rios Jacuí, dos Sinos e Gravataí), os afluentes do Guaíba contribuíram também para o alagamento de boa parte da capital gaúcha nas regiões das ilhas, central e norte. E não era para menos: o Guaíba atingiu a cota de 5,35 metros acima do nível do mar nesta última enchente, marca bem superior às de 3,5 m de 1873 e 4,75 m de 1941.

Em Porto Alegre e arredores, há que se considerar também a existência de 27 sub bacias hidrográficas cujos arroios principais desaguam no Lago Guaíba (21), no Rio Gravataí (4) e no Delta do Jacuí (1). Desses, apenas o Arroio Areia na zona norte da capital recebeu estruturas de macrodrenagem. O Arroio Feijó, que inundou bairros do município de Alvorada, por exemplo, espera por obras de macrodrenagem a mais de uma década. Os recursos para as obras nesse arroio foram inclusive abarcados pelo PAC de 2012, mas o Governo do Estado nunca tirou o projeto do papel.

Na região metropolitana, incluindo o bairro Sarandi na zona norte de Porto Alegre, as cidades de Cachoeirinha, Gravataí e Alvorada foram mais atingidas pelo Rio Gravataí, enquanto em São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Esteio, o maior impacto foi causado pelo Rio dos Sinos. Em Eldorado do Sul, município com aproximadamente 40.000 habitantes, o conjunto Jacuí/Guaíba alagou mais de 80% da cidade. O município de Canoas, com mais de 180.000 habitantes, um dos mais afetados no estado (juntamente com Eldorado do Sul e São Leopoldo), foi atingido pelos rios Jacuí, Sinos e Gravataí simultaneamente e teve em torno de 50% do seu território alagado. Apenas em Canoas, tivemos 31 óbitos. No total da região metropolitana, foram 48.

Nos vales banhados pelo rio Taquari, as cidades de Roca Sales e Cruzeiro do Sul lamentaram 27 mortes. O município de Muçum, com mais de 4.600 habitantes, teve de 66% da área devastada. Já a região serrana do estado, se sofreu menos com os alagamentos, foi mais devastada pelos deslizamentos de terra, que bloquearam estradas, desabrigaram famílias e fizeram 41 vítimas fatais.

Das três principais bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul, a mais sobrecarregada pelas chuvas de abril/maio foi a da Lagoa dos Patos (em roxo/azul na figura acima). A lagoa, que recebe as águas do Guaíba, do Rio Camaquã e do Canal de São Gonçalo (que faz a ligação entre a Lagoa dos Patos e a Lagoa Mirim), é responsável por escoar todo este volume para Oceano Atlântico através do Canal da Barra do Rio Grande. A vazão medida no canal no dia 10 de maio de 2024 chegou a 20 mil metros cúbicos por segundo, aproximadamente oito vezes mais do que nos períodos normais de cheia da lagoa (Zero Hora, 23/5/24). A direção dos ventos e o movimento das marés regulam este escoamento.

Durante as enchentes, a maré cheia e o vento sul represavam periodicamente as águas da lagoa e provocavam alagamentos em cidades como Pelotas e São José do Norte no extremo sul do estado. Além deste represamento, a região contou também com um considerável incremento nas chuvas. Estes problemas de escoamento na Lagoa dos Patos acabaram também por retardar o recuo das águas no Guaíba.

Na figura acima, podemos observar que a maior parte das cidades atingidas se concentra na região central do estado, mas vai se espalhando também para leste e oeste. Os casos mais esparsos ocorreram no sul e principalmente no norte do estado. No oeste, os municípios Cacequi, Alegrete, Uruguaiana e Quaraí foram afetados por rios que compõe a bacia do Rio Uruguai (em preto na figura acima). São os rios Ibicuí, Ibirapuitã (afluente do Ibicuí), Uruguai e Quaraí. Todavia, é a região abrangida pela bacia da Lagoa dos Patos que concentra a maior parte dos municípios atingidos pelas cheias.

No boletim da Defesa Civil/RS atualizado em 08/07/24 consta que 2.398.255 pessoas distribuídas em 478 municípios foram afetadas. Até esta data, foram registrados 182 óbitos e 31 pessoas desaparecidas. Há um mês apenas (9 de junho), a Defesa Civil anotava ainda 18.854 pessoas vivendo em abrigos -no auge das cheias foram mais de 70.000.


Ainda estão sendo estimados os prejuízos econômicos no Rio Grande do Sul, mas, considerando os dados levantados pela Defesa Civil em pouco mais de 30% dos municípios atingidos, as perdas já chegaram a mais 12 bilhões de reais conforme nota publicada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) no dia 14 de junho.

O interessante artigo da BBC "O que causou a enchente de 1941 em Porto Alegre — e por que ela não é argumento para negar mudanças climáticas" questiona a tese de que as enchentes no sul do país são cíclicas e dependentes apenas da intensidade de um fenômeno natural, o El Niño. Argumenta-se no artigo que esta tese é usada para enfraquecer as análises que apontam o aquecimento global provocado pelo homem como o causador destes eventos extremos, tão fortes e cada vez mais frequentes.