A história vai encadeando os eventos de uma forma
que parece espontânea, como num diário e, apesar da narrativa não ser sempre
linear, a leitura flui muito bem, seja nas resenhas sobre as peripécias de cada
aventura, na descrição das paisagens avistadas da estrada ou nos relatos
verborrágicos dos febris concertos de jazz nos recônditos
muquifos de San Francisco. Além disto, o fato sabermos
que é uma história vivida, com personagens reais nomeados por pseudônimos,
torna tudo mais atraente.
A obra está dividida em cinco partes que cobrem
quatro grandes jornadas e uma espécie de epílogo. As jornadas sempre começam na
descolorida New York e têm como meta a ensolarada e vibrante Califórnia -exceto
a última, rumo ao insólito e ancestral México. Denver no Colorado (torrão de
Dean) é sempre uma parada obrigatória no meio do caminho, uma espécie de
“pouso” onde todos se encontram.
Sal, um ex-combatente que vive
com a tia em Paterson/New Jersey, tenta firmar-se como escritor enquanto busca
um sentido para a vida. Não ficar, sair e explorar, lhe parece a melhor maneira
de empreender esta busca.
Porém, enquanto Sal vive as
suas aventuras sem laços familiares muito demandantes, Dean divide-se entre uma
intensa vida boêmia e alguns relacionamentos do tipo “papai e mamãe”, deixando
pelo caminho um rastro cada vez mais profundo de expectativas não cumpridas. No
entanto, ele, egocêntrico, não parece viver qualquer dilema, não tem remorsos.
Foi um marginal abandonado pelo pai; formou-se na rua, no reformatório e na
prisão; agora, apenas tenta curtir ao máximo o que a vida lhe oferece sem
expectativas muito elevadas; foca-se no que ela é e não no que poderia ter
sido.
Sal é o oposto. Tem uma
família que lhe dá algum suporte; conseguiu, na condição de ex-combatente, uma
bolsa de estudos para a universidade e constrói de forma convincente uma
carreira de escritor. Porém, sempre foge para a estrada a procura de algo que,
na verdade, não está lá; procura por uma revelação, a joia que preencherá o
buraco cavado pelo tédio e pela frustração: “[...] na estrada, em algum lugar,
a pérola me seria ofertada” (p. 28).
Ao terminar o livro, fiquei
com a sensação de que o genuíno “espírito beat”, que ainda habita o
imaginário romântico de muitas gerações, está na mistura dos traços destes dois
“tipos”. Porém, se eu pudesse perguntar a um deles sobre o significado desta
grande jornada que é a vida, perguntaria ao Dean.