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terça-feira, 7 de março de 2023

A Mítica Geração Beat

Ao reler "On the Road " recentemente (Jack Kerouac, LP&M, 2021), começando pelo prefácio do Eduardo Bueno, interessei-me também pelo contexto em que a obra foi escrita e pela repercussão que teve. É uma obra datada, sim, pelo ambiente cultural e pelos anseios e perspectivas específicos da época em que foi escrita. Porém, infiltrou-se sutilmente no imaginário de liberdade e transgressão dos românticos de muitas gerações.

On the Road, que -me parece- tornou-se maior do que o seu autor, conseguiu sintetizar o espírito da sua época. Os períodos de pós-guerra, a depressão econômica de 1929, o grande desastre ambiental de 1930 nos Estados Unidos, os movimentos pacifistas, as correntes literárias, ... compuseram o contexto onde a “Geração Beat  -cujo maior ícone é justamente On The Road – começou a ser forjada. A geração de Kerouac foi uma geração desenganada, mas também contestadora e, acima de tudo, ávida por explorar e experimentar. 

Entre o final dos anos 1930 e os meados dos anos 1950, mais ou menos, o grupo de William Burroughs, Allen Ginsberg e Jack Kerouac gestou um movimento que pretendia abolir certos formalismos e “pudores” consagrados pela literatura americana da época – da qual Ernest Hemingway era um dos expoentes.

Os beats, embora compartilhassem com a "Geração Perdida" de Hemingway um claro descontentamento com a realidade em que viviam, desenvolveram um estilo mais transgressor e "americano pop".

Geração Perdida é um termo atribuído a Gertrude Stein ao referir-se àqueles artistas norte-americanos, principalmente escritores, que viveram sob os efeitos da “Primeira Guerra Mundial” (1914-1918). O termo tornou-se popular através do romance de Hemingway, The Sun Also Rises. Vários destes escritores buscaram refúgio na Europa, principalmente na França, para dar vazão aos seus projetos literários e aspirações intelectuais consideravelmente marcadas pela crítica social.

Havia no movimento beat um senso crítico e libertário que procurava “oxigenar” o meio intelectual da época através de novas vivências e experimentos literários além de certa dose de misticismo - tudo isto regado com muito álcool, sexo, drogas e jazz, ingredientes bastante apreciados neste universo criativo e comportamental.

O poema “Howl” (Uivo) de Allen Ginsberg e o livro On The Road de Jack Kerouac tornaram-se símbolos desta geração que influenciou também, e fortemente, a geração seguinte, a dos hippies.

Então, entre o final dos anos 50 e o início dos anos 60, surgiu um novo movimento de contracultura, porém com o mesmo viés transgressor dos beats: era o movimento hippie, que bradava contra a guerra "Make love, not war" e insurgia-se contra a cultura de massa. Seus integrantes eram pacifistas e ambientalistas, alguns viviam em comunidades, às vezes nômades, e pregavam a liberdade de comportamento em relação ao sexo, drogas, família, etc. 

Como a geração de Ginsberg e Kerouac, a dos hippies também via nas drogas uma forma de transcender, mas, neste caso, a onda era um pouco mais hedonista do que artística. Assim, nasceu o “Psicodelismo” dos anos 60, regado a LSD.

O Psicodelismo emprestava uma espécie de estética ao movimento hippie com cores brilhantes e contrastantes, imagens caleidoscópicas e figuras disformes. Tudo isto era estampado nas roupas, pintado nas icônicas vans VW, tatuado nos corpos, impresso em cartazes promocionais de shows ou decorativos, etc. Nomes como Janis Joplin, Jimi Hendrixs, Ken Kesey e Timothy Leary, por exemplo, deram ao movimento destaque nos cenários artístico e intelectual, mas a essência esteve sempre na contestação política e na liberalização dos costumes.

Por fim, devo dizer que termo beat, verbalizado inicialmente por Herbert Huncke (Elmer Hassel em On the Road) e, depois, popularizado por Kerouac, tinha vários significados, mas acabou transcendendo todos eles ao amalgamar-se à história de um movimento que questionou valores e referências e foi considerado uma espécie de esculacho pela classe média americana da década de 1950, esta “[...]grande associação de pais e mestres que é a América conservadora”, diz o Eduardo Bueno no seu prefácio.