Eu almoçava com a minha família num restaurante de Lisboa no dia 9 de janeiro de 2023, uma segunda feira. Havíamos chegado dois dias antes, estávamos em férias, mas acompanhávamos os principais acontecimentos do Brasil pelos sites de notícias.
Confesso que as manifestações do domingo em Brasília, talvez pelo entusiasmo com a visita a Portugal, passaram despercebidas para mim quanto à gravidade e ao ineditismo. Até aquele momento, (eu ainda não havia visto imagens das manifestações) eu permanecia assim, um tanto distraído em relação àqueles eventos, até que um homem, sentado mais à frente com outras três pessoas, disparou em alto e bom som enquanto olhava para um televisor grande fixado em uma parede lateral: "E AQUELA MERDA LÁ NO BRASIL!?"
Incomodado, olhei imediatamente na mesma direção e o que vi nas imagens da TV me deixou estarrecido: era uma espécie de apoteose "pseudopatriota" onde uma turba de verde e amarelo ia avançando sobre a Praça dos Três Poderes feito um carreiro gigantesco de formigas.
Nos dias seguintes, assistindo imagens mais detalhadas, percebi que a vanguarda daquela horda que ia penetrando pelas vidraças dos prédios do Congresso, STF e Palácio do Planalto, quebrando tudo com muita convicção, não parecia assustada ou exageradamente exaltada, ao contrário, demonstrava determinação sobretudo. Determinação compenetrada de quem executa uma missão. Havia alguns, principalmente os manifestantes das linhas de frente, bastante vigorosos no “quebra-quebra” de mesas, poltronas, obras de arte, cortinas, etc., enquanto outros pareciam turistas curiosos: faziam selfies, gravam vídeos, bebiam água, tudo sem afobação.
Organizado nas redes sociais, o evento não era apenas um
protesto, era um ato de subversão e se dirigida aos mais de cinquenta e oito
milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro para que juntos, através
de uma “reação em cadeia” por todo o país, depusessem o presidente eleito Lula.
Além disso, o conjunto dos fatos, anteriores e posteriores ao dia 8, nos mostrou claramente que estes brasileiros equivocados almejavam o apoio das Forças
Armadas e contavam (na verdade, contaram) com a leniência das
forças responsáveis pela segurança pública do distrito federal. Incrível!
É difícil entender este tipo de subversão, principalmente
para os que, como eu, cresceram sob o legado do Ato Institucional nº 5 de 1968, apoiaram
o movimento pelas eleições “Diretas Já” para presidente em pleno regime militar
e festejaram a promulgação da Constituição Brasileira “Livre” de
1988. É difícil não ficarmos indignados ao lembramos da primeira eleição direta
para presidente em 1990 após vinte e seis anos de repressão política. Mais do
que tudo, é triste assistirmos à quatro mil pessoas clamando pela volta do
braço forte do autoritarismo, como que tentando abrir à força um caminho inverso
àquele que começamos a construir lá nos “anos de chumbo” de forma gradual e custosa,
desde os primeiros protestos (estes sim, legítimos) contra a ditadura militar
que se instalou no Brasil em março de 1964.