A operação Lava Jato sempre teve toques de arbitrariedade, sensacionalismo midiático e diversas outras heterodoxias desde quando foi fundada em 2016. Mas, me parece que, enquanto as coisas iam ao encontro dos anseios de parte da sociedade brasileira, da sua parte mais influente, tudo ia bem. Isto fica bem claro quando se faz uma retrospectiva de 2022 até 2016.
Existem ritos
processuais que devem ser cumpridos, existem garantias, prerrogativas, etc. Eu
sei. Mas, a partir de 2021, os entendimentos do STF, com relação aos processos
contra Lula, começaram a mudar de forma muito contundente, surpreendente até,
como mostrei no post anterior. Hoje, a própria operação que esteve sob o
juízo de Sérgio Moro está sob investigação (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-abre-inquerito-para-apurar-acusacoes-contra-moro-por-supostas-irregularidades-na-lava-jato/).
Já falei aqui, em posts
anteriores, sobre o antipetismo, sobre a ascensão da extrema direita, do
bolsonarismo, etc. Agora, quero escrever sobre como eu penso que tudo isto se
encaixa com a improvável, quase impossível cinco anos antes, eleição de
Lula para um terceiro mandato como presidente da república.
A procura por um outsider
(ou por alguém “travestido” de) como Bolsonaro nas eleições de 2018 não é
novidade, já passamos por isto antes com Jânio Quadros em 1961 e com Fernando Collor
de Mello em 1989, também acompanhamos os casos de Trump nos EUA, Zelensky na
Ucrânia, Meloni na Itália e Milei na Argentina mais recentemente, entre vários
outros. O próprio Lula, lá na década de 80, -oriundo do movimento sindical com
um discurso socialista que criticava a leniência do estado com a elite capitalista, o descaso com a miséria, a falta de oportunidades de ascensão para
a classe trabalhadora, ... -apresentava-se como um outsider, embora
fosse apoiado por um partido ideologicamente consistente e em franco
crescimento.
NOTA: a definição de outsider
que uso aqui não tem rigor conceitual, mas engloba algumas características que
sempre são destacadas quando o termo é empregado na mídia. Assim, defino-o como
aquele ator político que se mostra crítico do sistema ao qual, na verdade, pertence
quase sempre. Ele, porém, tenta desvincular-se do estereótipo do político
tradicional -carreirista, corrupto e “fisiologista” -, não é um novato
necessariamente, mas está associado a partidos políticos pequenos e sem grande
representatividade na maioria das vezes. Adota um discurso que agrada as
grandes massas: anticorrupção, contra a ineficiência da máquina pública,
moralmente conservador, liberal do ponto de vista econômico ou, às vezes ao
contrário, crítico da lógica capitalista dependendo do contexto.
Bolsonaro ainda agregou
ao perfil uma postura irreverente com uma linguagem simples e direta, “sem
papas na língua”. Mostrava-se como um “homem do povo”: pedia “pingado com pão e
manteiga” e, às vezes, até uma cerveja ou um “refri” no boteco; usava caneta Bic;
gostava de pilotar motocicletas populares e era um tipo “machão”, sem muitos
floreios e “finuras”; não gostava de “comunistas” e achava que todo o cidadão
“de bem” tinha o direito de possuir uma arma de fogo. Além disto, era um “homem
de fé” e um pai de família: caiu no gosto do povo.
Eu disse, “caiu no
gosto do povo”, mas preciso fazer uma ressalva. O “povo” eleitor de Bolsonaro
não está, necessariamente, entre os que têm fome ou passam por algum tipo grave de privação. Para
os mais de 21 milhões de brasileiros que vivem em estado de “insegurança
alimentar grave” (estado de fome), por exemplo, não importam a ideologia do
governo, a sua política econômica ou as leis do Congresso, na verdade, não
importa qualquer governo. Estes brasileiros sequer se acham capazes de reivindicar
alguma coisa: não têm mais esperança, não creem mais, apenas aceitam o que lhes
for dado.
O eleitor de Bolsonaro (ou de Lula) também
não está concentrado no topo da pirâmide socioeconômica. Esta turma possui quase 80% do
patrimônio privado do país, para estes 10% da população também não faz
diferença, estão acima dos governos e usam o lobby como instrumento de
poder, não o voto. Não estão preocupados com este ou aquele governo, “estão de
olho” em movimentos mais amplos e perenes: estão mais atentos às mudanças no
“pensar e agir” da sociedade.
Tanto a base quanto o
topo votam, é claro, em quem mais lhe apetece, mas de forma dispersa, sem muita convicção e
envolvimento.
Por outro lado, eu estimo que, entre a massa
desesperançosa da base e a elite impassível do topo, existe uma “massa crítica”
de, mais ou menos, 45 % da população brasileira, que se importa: esta parte da
população brasileira faz doações para as campanhas eleitorais, assiste os
debates, faz propaganda, constrói narrativas, influencia eleitores e, portanto,
sabe que pode ter um papel decisivo no processo e quer fazer a diferença.
Esta massa crítica, que
eu chamo genericamente de “classe média”, e que, quase sempre, têm um comportamento
pendular -da “esquerda para a direita e vice versa” - nas suas escolhas
políticas, está milimétricamente dividida atualmente no Brasil, o pleito de outubro de
2022 é prova disto.
Porém, a parte mais
esclarecida desta classe média, que atua no meio político/público, na mídia, na
produção cultural e até no meio empresarial, conseguiu, no derradeiro momento, vislumbrar
o futuro sombrio que Bolsonaro nos oferecia para o seu segundo mandato. O que começou como um protesto
contra a “cultura de esquerda” lá em 2016, corria o sério risco de terminar em
tragédia. Então, estes cidadãos decidiram agir: tiraram o Lula da cadeia ainda
a tempo de fazer alguma diferença.
Lula era a única
alternativa naquele momento, não a melhor, a única com carisma e popularidade suficientes
para desbancar Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de outubro 2022. Além
disso, Lula tinha histórico, todos sabiam o que esperar, não haveria surpresas.