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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

E Aquela Merda Lá no Brasil!? IV. O Extremismo de Direita

Com a exoneração de Dilma Rousseff em agosto de 2016, assumiu o seu vice Michel Temer. “Cacique” do MDB, Temer tinha grande influência na Câmara e movia-se com desenvoltura por todos os seus meandros. Não foi por outro motivo que compôs a chapa de Dilma como candidato a vice-presidente nas eleições de 2014. Poderia ter usado sua influência para, ao menos, tentar impedir a admissão do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, mas não o fez.

Acusado de golpista pela esquerda, foi irônico ao comentar o assunto em entrevista à Folha de São Paulo anos depois: “A chegada do meu governo foi um ‘golpe’ de sorte ao País”.

Durante o seu mandato “tampão” (2016-2018), o presidente Temer conseguiu, “para o bem ou para o mal”, aprovar uma reforma trabalhista (Lei 13467/2017) e um “teto” de gastos públicos (EC 95/2016) que afetaram de forma contundente as estratégias do PT.

Resumidamente: a Lei 13467/2017, entre outras coisas, acabando com a contribuição sindical compulsória, fragilizou um dos pilares do PT, os sindicatos de trabalhadores ficaram enfraquecidos com o fim do subsídio obrigatório. Depois, com o teto de gastos, foram cerceadas as políticas públicas que beneficiavam diretamente as classes sociais mais baixas, ponto de forte ação dos programas de governo do Partido dos Trabalhadores.

Temer queria ser presidente reeleito em outubro 2018 e agiu de forma estratégica, segundo os interesses de quem representava, simples assim. Mas a sua baixa popularidade e algumas denúncias de corrupção, que provavelmente o tornariam inelegível, o fizeram desistir da candidatura.

Enquanto isto, a direita como um todo continuava a se fortalecer e se articulava nas ruas através de movimentos organizados pelas redes sociais. Destacam-se o “Movimento Brasil Livre” (MBL), criado em 2013 e o “Vem pra Rua”, de 2014, entre outros.

Essas organizações, no curso dos eventos e ao sabor das circunstâncias, combinaram a defesa de políticas de austeridade com pautas conservadoras no plano da moral. Sem recursos políticos expressivos, contaram com o apoio financeiro e logístico de organizações poderosas como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a mídia hegemônica, principalmente as organizações Globo, as redes religiosas evangélicas, a Maçonaria (Viegas 2015, Calgaro 2015 apud Tatagiba), e centrais sindicais, como a Força Sindical e trabalhadores autônomos, como os caminhoneiros (“Entre as ruas e as instituições: os protestos e o impeachment de Dilma Rousseff” por Luciana Tatagiba, pesquisadora e livre-docente do Departamento de Ciência Política, da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp).

Os manifestantes eram essencialmente cidadãos de classe média: assalariados com bom poder aquisitivo e empresários, a maioria de meia idade, com formação superior e posicionamento entre centro e direita. Afirmavam que não tinham ligação direta com os grupos organizadores e que o Facebook era a principal fonte de recrutamento, relata a pesquisadora Luciana Tatagiba.

Não se tratava apenas de promover o impeachment de Dilma ou a prisão de Lula, atolado “até os cabelos” nas acusações da Lava Jato, não. Estas questões apenas forneceram um foco aos movimentos, mas a alma estava na forte rejeição à “cultura de esquerda” no Brasil. E o Partido dos Trabalhadores, juntamente com os seus “satélites”, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) eram a cara desta esquerda.

Os movimentos forneceram um conteúdo programático praticamente pronto para os partidos políticos de direita e extrema direita: crítica às políticas sociais do governo petista, como o Bolsa Família e o sistema de cotas raciais nas universidades; luta contra a corrupção; defesa da redução da maioridade penal; liberdade econômica com diminuição do papel do Estado na economia e privatizações; redução dos impostos, etc. Alguns exaltavam o comportamento patriótico e os “valores da família” e repudiavam a livre identidade de gênero enquanto outros defendiam até a intervenção militar, vejam só!

A sociedade brasileira queria mudanças, mudanças profundas e radicais. Era o momento ideal para os outsiders da política como ocorreu, aqui mesmo no Brasil em 1990, com Fernando Collor de Mello ou, nos EUA  em 2016, com Donald Trump ou ainda, na Argentina recentemente, com Javier Milei, por exemplo.

O caminho estava aberto para a direita principalmente após a prisão de Lula em abril de 2018. No final deste caminho despontou Jair Messias Bolsonaro. O capitão reformado do Exército e deputado federal desde 1991 foi eleito Presidente da República pelo Partido Social Liberal (PSL) em 28 de outubro de 2018.

O "remédio" causou um mal maior do que a "doença": a classe média, apoiada pela mídia hegemônica e por várias entidades empresariais, colocou no poder um ser humano misógino e homofóbico, um presidente antissistema com viés voltado ao intervencionismo militar, índole belicosa e,  além de tudo, omisso e negacionista -haja vista o seu comportamento durante a pandemia do COVID-19. Foi um fiasco!

Na matéria do Jornal da Unesp, “Os grupos de extrema direita estão perdendo o pudor de usarem a violência”, de 12/01/23, Jefferson Rodrigues Barbosa, cientista social e professor da Unesp, cita o também pesquisador Marcelo Badaró Mattos da Universidade Federal Fluminense no seguinte trecho:

[Marcelo Badaró Mattos] enxerga o movimento bolsonarista como basicamente dividido em três grupos: os ultraliberais, os neoconservadores e os intervencionistas militares. O primeiro grupo é o dos amigos do Paulo Guedes, que querem privatizações, uma valorização das pautas econômicas que contemplem o empresariado e não os trabalhadores. Defendem o estado mínimo, arrocho salarial e pauperização para a vida dos trabalhadores. Já os neoconservadores são os que resgatam temas do conservadorismo clássico, como a defesa da tradição, da ordem, da família, a chamada pauta dos costumes. O movimento neoconservador é muito forte nos Estados Unidos, desde os anos 1970 e 1980. E tem um vínculo muito forte com igrejas, lideranças religiosas e suas pautas moralizantes que alimentam sentimentos antidemocráticos. São avessos a temas igualitários ou à discussão sobre a educação sexual. São homofóbicos, muitas vezes, e contrários a outras culturas religiosas, além da cultura hebraica-cristã. O terceiro grupo foi o que ganhou a tônica [no] domingo [08/01/23]. Os intervencionistas militares são a terceira base do bolsonarismo. Desde a campanha eleitoral, em 2018, a pauta do intervencionismo militar e uma apologia ao período da ditadura militar, como um período aparentemente positivo para a história brasileira, eram colocadas por estas lideranças e por intelectuais da extrema-direita. A isso chamamos de revisionismo histórico. Assim como neonazistas tentam desenvolver uma leitura positiva da história do terceiro Reich, também temos os saudosistas da ditadura no Brasil (https://jornal.unesp.br/2023/01/11/os-grupos-de-extrema-direita-estao-perdendo-o-pudor-de-usarem-a-violencia/).

No próximo post: o balanço de um ano decorrido desde os atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023.