Com a exoneração de Dilma Rousseff em agosto de 2016, assumiu o seu vice Michel Temer. “Cacique” do MDB, Temer tinha grande influência na Câmara e movia-se com desenvoltura por todos os seus meandros. Não foi por outro motivo que compôs a chapa de Dilma como candidato a vice-presidente nas eleições de 2014. Poderia ter usado sua influência para, ao menos, tentar impedir a admissão do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, mas não o fez.
Acusado de golpista
pela esquerda, foi irônico ao comentar o assunto em entrevista à Folha de São
Paulo anos depois: “A chegada do meu governo foi um ‘golpe’ de sorte ao País”.
Durante o seu
mandato “tampão” (2016-2018), o presidente Temer conseguiu, “para o bem ou para
o mal”, aprovar uma reforma trabalhista (Lei 13467/2017) e um “teto” de gastos
públicos (EC 95/2016) que afetaram de forma contundente as estratégias do PT.
Resumidamente: a Lei
13467/2017, entre outras coisas, acabando com a contribuição sindical compulsória,
fragilizou um dos pilares do PT, os sindicatos de trabalhadores ficaram
enfraquecidos com o fim do subsídio obrigatório. Depois, com o teto de gastos, foram cerceadas as políticas públicas que beneficiavam diretamente as classes
sociais mais baixas, ponto de forte ação dos programas de governo do Partido
dos Trabalhadores.
Temer queria ser
presidente reeleito em outubro 2018 e agiu de forma estratégica, segundo os
interesses de quem representava, simples assim. Mas a sua baixa popularidade e
algumas denúncias de corrupção, que provavelmente o tornariam inelegível, o
fizeram desistir da candidatura.
Enquanto isto, a
direita como um todo continuava a se fortalecer e se articulava nas ruas através de
movimentos organizados pelas redes sociais. Destacam-se o “Movimento Brasil
Livre” (MBL), criado em 2013 e o “Vem pra Rua”, de 2014, entre outros.
Essas organizações, no
curso dos eventos e ao sabor das circunstâncias, combinaram a defesa de
políticas de austeridade com pautas conservadoras no plano da moral. Sem
recursos políticos expressivos, contaram com o apoio financeiro e logístico de
organizações poderosas como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(FIESP), a mídia hegemônica, principalmente as organizações Globo, as redes
religiosas evangélicas, a Maçonaria (Viegas 2015, Calgaro 2015 apud
Tatagiba), e centrais sindicais, como a Força Sindical e trabalhadores
autônomos, como os caminhoneiros (“Entre as ruas e as instituições: os
protestos e o impeachment de Dilma Rousseff” por Luciana Tatagiba, pesquisadora
e livre-docente do Departamento de Ciência Política, da Universidade Estadual
de Campinas-Unicamp).
Os manifestantes eram essencialmente cidadãos
de classe média: assalariados com bom poder aquisitivo e empresários, a maioria
de meia idade, com formação superior e posicionamento entre centro e direita.
Afirmavam que não tinham ligação direta com os grupos organizadores e que o Facebook
era a principal fonte de recrutamento, relata a pesquisadora Luciana
Tatagiba.
Não se tratava
apenas de promover o impeachment de Dilma ou a prisão de Lula, atolado
“até os cabelos” nas acusações da Lava Jato, não. Estas questões apenas
forneceram um foco aos movimentos, mas a alma estava na forte rejeição à
“cultura de esquerda” no Brasil. E o Partido dos Trabalhadores, juntamente com
os seus “satélites”, a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) eram a cara desta
esquerda.
Os movimentos forneceram um conteúdo
programático praticamente pronto para os partidos políticos de direita e
extrema direita: crítica às políticas sociais do governo petista, como o Bolsa
Família e o sistema de cotas raciais nas universidades; luta contra a corrupção;
defesa da redução da maioridade penal; liberdade econômica com diminuição do
papel do Estado na economia e privatizações; redução dos impostos, etc. Alguns
exaltavam o comportamento patriótico e os “valores da família” e repudiavam a
livre identidade de gênero enquanto outros defendiam até a intervenção militar,
vejam só!
A sociedade brasileira queria mudanças, mudanças profundas e radicais. Era o momento ideal para os outsiders da política como ocorreu, aqui mesmo no Brasil em 1990, com Fernando Collor de Mello ou, nos EUA em 2016, com Donald Trump ou ainda, na Argentina recentemente, com Javier Milei, por exemplo.
O caminho estava aberto para a direita principalmente após a prisão de Lula em abril de 2018. No final deste caminho despontou Jair Messias Bolsonaro. O capitão reformado do Exército e deputado federal desde 1991 foi eleito Presidente da República pelo Partido Social Liberal (PSL) em 28 de outubro de 2018.
O "remédio" causou um mal maior do que a "doença": a classe média, apoiada pela mídia hegemônica e por várias entidades empresariais, colocou no poder um ser humano misógino e homofóbico, um presidente antissistema com viés voltado ao intervencionismo militar, índole belicosa e, além de tudo, omisso e negacionista -haja vista o seu comportamento durante a pandemia do COVID-19. Foi um fiasco!
Na matéria do Jornal da Unesp, “Os grupos de extrema direita estão perdendo o pudor de usarem a violência”, de 12/01/23, Jefferson Rodrigues Barbosa, cientista social e professor da Unesp, cita o também pesquisador Marcelo Badaró Mattos da Universidade Federal Fluminense no seguinte trecho:
No próximo post: o balanço de um ano decorrido desde os atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023.