É importante lembrar das “jornadas de junho” de 2013 como o ato inicial do processo de desmanche da esquerda no Brasil, processo que, logo adiante em março de 2014, receberia o impulso derradeiro da "Operação Lava Jato" deflagrada pela Polícia Federal. Aliás, o ano de 2014 nos deu uma amostra da polarização política que tomaria conta do país nos dez anos seguintes: em julho de 2014, a presidenta Dilma, que seria reeleita para um segundo mandato em outubro, foi constrangedoramente vaiada na abertura (e no encerramento) da Copa do Mundo em pleno estádio Maracanã.
NOTA 1: quando
falo de “esquerda” refiro-me essencialmente ao Partido dos Trabalhadores,
embora partidos menores como PC do B, PSOL e PV, entre outros, sempre tenham
ajudado, em maior ou menor grau, apoiando o PT no Congresso Nacional e, às
vezes, até compondo o seu governo.
NOTA 2: a “Operação Lava Jato”, iniciada durante o governo da presidenta Dilma, investigava desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro num esquema que envolvia políticos do PT e de diversos outros partidos, estatais e empresas privadas. Na verdade, as denúncias de corrupção já maculavam a imagem do Partido dos Trabalhadores desde 2006 com o caso do “mensalão”, que consistia no pagamento de propina a políticos em troca de apoio ao governo do então presidente Lula.
Em março de 2015, manifestações pedindo o impeachment da então presidenta levaram mais de um milhão e meio de pessoas às ruas em todo o país. Além disso, os seus pronunciamentos oficiais na TV naquele ano eram sempre acompanhados por “panelaços” em grande parte dos lares brasileiros.
NOTA 3:
panelaço é uma forma de protesto onde são utilizadas caçarolas, panelas,
frigideiras e outros utensílios de cozinha de forma a chamar a atenção para o
ruído feito ao bater esses utensílios. É uma forma de protestar sem sair de
casa, foi icônica nos protestos contra o Governo Dilma Rousseff e também nos
protestos contra o governo de Jair Bolsonaro (Wikipédia).
Já as manifestações do dia 13 de março de 2016, embora haja discordância quanto ao número total de participantes, reuniram ao menos três milhões de pessoas que clamavam pelo impeachment de Dilma no Brasil inteiro, provavelmente a maior mobilização popular dos últimos quarenta anos. O de 2016 registrou outro ponto de inflexão na história política deste país, talvez o mais significativo da história recente.
Segundo
Luciana Tatagiba, (pesquisadora e livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas-Unicamp),
ao contrário de 2013, agora os protestos tinham um caráter diferente: “o
antipetismo ofereceu a energia para o protesto, transformando insatisfações
difusas em engajamento ativo com uma causa.”
Em agosto de 2016, o Senado Federal chancelou o afastamento definitivo de
Dilma
Rousseff da Presidência da República. A acusação de improbidade administrativa (as
controversas “pedaladas fiscais”) foi o que deu sustentação jurídica ao
processo, porém, foi a falta de apoio político, inclusive dentro do Partido dos
Trabalhadores, mais do que a gravidade das acusações, que parece ter motivado a
sua saída.
As denúncias
de corrupção levantadas pela Lava Jato, embora mais focadas no governo do ex-presidente
Lula (seu antecessor), também ajudaram a enlamear o governo de Dilma. O mau desempenho econômico do país,
agravado justamente pela falta de apoio às medidas que se faziam necessárias, a
baixa popularidade (por conta, inclusive, do sentimento antipetista de grande
parte da população) e uma certa falta de habilidade/frieza da presidenta para o
jogo político completaram o pacote.
NOTA 4: "pedaladas fiscais" é como ficaram conhecidas as manobras contábeis do Tesouro Nacional para melhorar o desempenho das contas públicas em determinados exercícios. O repasse dos recursos de programas e benefícios sociais do governo para a população é feito através de alguns bancos públicos e privados. Estes recursos, previstos no orçamento da União, são estimados e, por isto mesmo, muitas vezes extrapolam o valor orçado. A diferença é paga pelos bancos, porém o ressarcimento, no caso das pedaladas fiscais, era feito no exercício do ano seguinte com o objetivo equilibrar artificialmente as contas públicas do exercício atual. Esta prática era comum também em governos anteriores, porém, segundo o Tribunal de Contas da União, foi usada de forma abusiva pela presidenta Dilma.
No próximo post: o antipetismo e o perfil da extrema direita que se firmou no cenário político
brasileiro a partir destes acontecimentos.