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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Aspectos do Novo Normal

Eu e os da minha geração vivemos uma experiência, acho que se pode dizer, privilegiada nas últimas décadas, testemunhamos, desde o começo, a radical transição da cultura analógica para a digital: nascemos e crescemos numa sociedade que escrevia cartas de “próprio punho”, redigia textos em “máquinas de escrever” (dispositivos mecânicos ou eletromecânicos onde digitava-se num teclado semelhante ao de um PC com a vantagem de que o texto era impresso de modo simultâneo 😄), assistia às imagens em “preto e branco” na maioria dos televisores, consumia música em discos de vinil e fitas cassete, e usava telefone público. Mais ou menos ao mesmo tempo, acompanhávamos o nascimento da TV a cores, dos personal computers, da TV a cabo, do vídeo cassete, da telefonia celular, da internet, do DVD, das redes sociais, do sinal de Wi-Fi, do streaming... tudo numa sequência quase ininterrupta e estonteante. Da carta manuscrita ao Instagram, foi um longo caminho que percorremos em poucos anos.

Por outro lado, também assistimos ao crescimento da violência e da intolerância, ao recrudescimento da poluição e ao afeamento das nossas cidades. As calçadas, praças e parques onde crescemos brincando não lembram mais o que, uma vez, representaram para nós.

Ao fazer essa pequena retrospectiva, fiquei com a clara impressão de que a vida vai nos empurrando para dentro, para o convívio com um grupo cada vez mais seleto de pessoas. Apreciamos, cada vez mais, ficar atrás de paredes como o WhatsApp e o Instagram, deixando o contato "face a face" para quando os protocolos sociais da vida em comunidade o exigirem (e permitirem). E não vou falar das restrições sociais impostas pela pandemia que aí está.

Hoje, chegamos a achar inoportuno bater à porta de um vizinho ou fazer-lhe uma ligação telefônica, seja qual for o motivo. Preferimos mandar-lhe uma mensagem de WhatsApp.

Por que usamos o e-mail ou algum tipo mídia social para tratarmos de assuntos delicados, às vezes pessoais, se não podemos ver a expressão no rosto do nosso interlocutor, nem ouvir o seu tom de voz numa eventual resposta?

É comum a cena de duas pessoas sentadas à mesa de um bar ou restaurante entreolhando-se eventualmente e de forma inexpressiva enquanto focam as suas atenções na postagem de algum amigo ou num flash de notícia.

Por que criamos “avatares” e “perfis falsos”? Para, anonimamente, darmos vazão às nossas neuroses ou pelo prazer de observar sem ser observado? Seria uma espécie de “voyeurismo social”? Ou mais uma forma sofisticada de manipular a opinião das pessoas?

Não se trata, aqui, de nostalgia e, muito menos, de julgar a tecnologia pelo uso que nós fazemos dela, não. Trata-se apenas de registrar uma mudança de comportamento, "um novo normal".

Se, por um lado, recebemos e encaminhamos muita informação vazia, sem valor, sem pudor e nossos relacionamentos se tornam mais superficiais, nossos diálogos mais pobres e toscos -como se o improviso e o impulso do momento (circunstâncias comuns na elaboração de uma mensagem de texto) pudessem perdoar qualquer coisa-, por outro, temos a possibilidade de fugir de situações constrangedoras e palavras vociferadas num tom grosseiro ou ameaçador, de responder a uma pergunta quando for mais oportuno, disfarçando a nossa surpresa, alegria ou decepção e, até, de fazer uma consulta psiquiátrica por vídeochamada, vejam só! Além disso, as mídias sociais fornecem uma boa alternativa para a administração de pequenos conflitos remotamente, são uma espécie de escudo que suaviza enfrentamentos e protege de envolvimentos indesejados. 

Me parece que todo esse aparato tornou, sim, a nossa  vida mais fácil. Resta saber se tais "facilidades" também podem atrofiar certas "habilidades" sociais nossas que levam muito tempo para serem cultivadas..., mas isso talvez seja assunto para outro post.