Tradicionalismo,
nativismo ou gauchismo, não importa o conceito que se escolha, há em todos eles a idealização de um modo de vida que não existe mais e que, em muitos aspectos, talvez nunca tenha existido. Surpreendentemente, esse mundo romântico dá a
todos nós “gaúchos” -do campo, da colônia, da cidade ou do litoral- uma
identidade que, mesmo sendo um pouco fantasiosa, nos orgulha e nos dá um
sentimento de pertença.
Geralmente
mestiços de índios ou negros, os gaúchos tinham uma existência nômade sem
residência e sem família. Não possuíam, tampouco, nacionalidade definida:
impossível saber se eram brasileiros, uruguaios ou argentinos. Não tinham
princípios nem honra. Sempre que podiam, pilhavam e roubavam as estâncias. (Décio Freitas, O Homem que inventou a ditadura no Brasil, Editora
Sulina, 1999, p.93).
Pouco nos importa que o gaúcho heroico cantado em versos tenha sido, na
verdade, um bandoleiro nômade e sem pátria a serviço de um estancieiro no campo
e na guerra. Seu passado revolucionário nos legou belos
versos!
Sabe, moço,/ que no tempo do
alvoroço/ tive um lenço no pescoço/ que foi bandeira para mim./ E lutei mil
peleias,/ em lutas brutas e feias,/ desde o começo até o fim./ [...] E o que restou?
Ah, sim/ no peito,/ em vez de medalhas,/ cicatrizes de batalhas/ foi o que
sobrou pra mim. (Trecho de "Sabe Moço", Francisco Alves).
Da mesma forma, a vida campeira nos deixa
saudosos de um passado que mal conhecemos (na verdade, duro e miserável):
[...] Se lembro o tempo de quebra/ A vida
volta prá traz/ Sou bagual que não se entrega,/ Assim no mais./ Nas manhãs de
primavera/ Quando vou para rodeio,/ Sou menino de alma leve/ Voando sobre o
pelego./ Cavalo do meu potreiro/ Mete a cabeça no freio./ Encilho no
parapeito,/ Mas não ato nem maneio./ Se desencilha o pelego/ Cai no banco onde
me sento,/ Água quente de erva buena,/ para matear em silêncio [...]
(Trecho de "Veterano", Antônio Augusto Ferreira e Ewerton Ferreira).
Enfim, o "nosso" gaúcho (e seu modo
de vida) é uma ficção inspirada em homens que, como diz Décio Freitas (Op.cit.,
p.140), “podiam, em nome de uma causa, cavalgar, combater, matar, roubar e
estuprar”. Contudo, ressalta:
Achava
Bierce [A. Bierce, jornalista
norte-americano enviado para cobrir a Revolução Federalista -1893 a 1895] que
havia um movimento literário para transformar o gaúcho em herói nacional [...]
tratava-se de fenômeno literário muito semelhante ao que se processava nos
Estados Unidos em relação ao caubói (p.140).
Melhor assim!