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quarta-feira, 13 de maio de 2020

Memórias Afetivas III. Memórias Musicais da Ditadura no Brasil

Na época, nada escapava ao Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCPC): as músicas do Chico Buarque, o noticiário, a novela, os programas humorísticos, as revistas, nada. 
No teatro e nos cinemas, também: víamos e ouvíamos o que o censor julgava adequado, o resto era vetado, adaptado ou apagado. Éramos alienados não apenas dos conteúdos potencialmente subversivos, mas também de tudo aquilo que o censor julgasse ofensivo aos bons costumes. Era tão natural que a programação dos canais de televisão, por exemplo, viesse precedida de um certificado de CENSURA FEDERAL que, quando ele aparecia, fazíamos silêncio e nos acomodávamos no sofá, pois o programa já iria começar. 

Faço parte de uma geração que cresceu “tapada”, cega e surda para tudo o que era expresso nas entrelinhas e nas metáforas. Éramos educados na escola, na igreja e na família sob o olhar da censura. Porém, vivíamos num país maravilhoso em pleno “Milagre Econômico”, éramos tricampeões mundiais de futebol, era 1970. A música Eu Te Amo, Meu Brasil (música de Dom e Ravel gravada por Os Incríveis, 1970) era um verdadeiro hino, “Brasil, Ame-o ou Deixe-o” era o nosso slogan🤐

No mesmo ano (1970), o Chico Buarque gravou o samba Apesar de Você, uma refinada crítica à Ditadura Militar que foi censurada no ato -voltou a tocar em 1978 no mesmo álbum de Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque) durante o período da “distensão lenta gradual e segura” do governo Geisel, mas eu, com dezoito anos, continuava “tapado”. Um ano antes (1969) Gilberto Gil cantava um dos seus maiores sucessos, Aquele Abraço, -uma espécie de canção de despedida- ao seguir para o exílio junto com Caetano Veloso. Aliás, o banimento de Caetano deu-se -hoje assim me parece- muito mais por seu espírito artístico potencialmente inovador/transgressor do que por seu posicionamento político. Ouça Alegria, Alegria (1967), por exemplo.

Durante os chamados “anos de chumbo” (69-74) a “canção de protesto” atingiu o seu auge, ao menos entre o público mais intelectualizado da classe média. Para Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré, 1968) (censurada, é claro) era um símbolo da luta contra a Ditadura.

A partir de 1980, com a “anistia ampla geral e irrestrita” e a censura mais frouxa do governo Figueiredo, eu, já na universidade, comecei a destampar os ouvidos e entender aquelas canções. Lembro que fiquei surpreso ao perceber que Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos (Roberto e Erasmo, 1971) não era só uma canção romântica Quero Voltar Pra Bahia (Paulo Diniz, 1970) não falava apenas de saudades da Bahia. 🤔

Essas músicas sempre me lembram aqueles tempos de Ditadura Militar, tempos em que eu me distraía com a Apollo 11, a Copa Jules Rimet, a Guerra do Vietnã, a Transamazônica, as novelas da Janete Clair, o Jornal Nacional...

Aos que viveram, sofreram e protestaram naqueles anos de chumbo, "Aquele Abraço"!