Faço parte de uma geração que cresceu “tapada”, cega e surda para tudo o que era expresso nas entrelinhas e nas metáforas. Éramos educados na escola, na igreja e na família sob o olhar da censura. Porém, vivíamos num país maravilhoso em pleno “Milagre Econômico”, éramos tricampeões mundiais de futebol, era 1970. A música Eu Te Amo, Meu Brasil (música de Dom e Ravel gravada por Os Incríveis, 1970) era um verdadeiro hino, “Brasil, Ame-o ou Deixe-o” era o nosso slogan. 🤐
No mesmo ano (1970), o Chico Buarque gravou o samba Apesar de Você, uma refinada crítica à Ditadura Militar que foi censurada no ato -voltou a tocar em 1978 no mesmo álbum de Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque) durante o período da “distensão lenta gradual e segura” do governo Geisel, mas eu, com dezoito anos, continuava “tapado”. Um ano antes (1969) Gilberto Gil cantava um dos seus maiores sucessos, Aquele Abraço, -uma espécie de canção de despedida- ao seguir para o exílio junto com Caetano Veloso. Aliás, o banimento de Caetano deu-se -hoje assim me parece- muito mais por seu espírito artístico potencialmente inovador/transgressor do que por seu posicionamento político. Ouça Alegria, Alegria (1967), por exemplo.
Durante os chamados “anos de chumbo” (69-74) a “canção de
protesto” atingiu o seu auge, ao menos entre o público mais intelectualizado da
classe média. Para Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré, 1968) (censurada, é claro) era um
símbolo da luta contra a Ditadura.
A partir de 1980, com a “anistia ampla geral e irrestrita”
e a censura mais frouxa do governo Figueiredo, eu, já na universidade, comecei
a destampar os ouvidos e entender aquelas canções. Lembro que fiquei surpreso
ao perceber que